OPINIÃO

 


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A PF agora fiscaliza os CACs
E isso é muito importante!

Olá,

Julho começou com uma mudança significativa no controle de armas de fogo no Brasil. Desde o dia 1°, o registro e fiscalização de armamentos de CACs, os colecionadores, atiradores e caçadores, não é mais com o Exército, mas com a Polícia Federal.

Foi um passo relevante para aqueles que entendem que a política de afrouxamento das regras e aumento da circulação de armas fez crescer a sensação de um país violento, mesmo dentro de casa. A medida é crucial para o controle de armas e munição no Brasil, mas tem pela frente desafios de gestão que não podem ser ignorados, sob o risco de desmonte do principal ato do governo Lula (PT) na segurança pública até agora.

A PF vai ser responsável por registrar CACs, autorizar compra e transferência de armas e fiscalizar as atividades esportivas e recreativas. Há um lado bom na origem, e outro preocupante para o futuro.

A transferência deste controle para a PF pode facilitar o cruzamento de dados entre proprietários de armas e investigações de tráfico internacional e desvios de armas por CACs para grupos armados. Este pente-fino é uma das promessas do novo sistema implementado. Um bom exemplo de como isso pode funcionar, é que entre janeiro e julho de 2025, enquanto a transição entre Exército e PF acontecia, a Federal prendeu 63 CACs com mandados de prisão em aberto.

A mudança acontece num cenário em que nos acostumamos a ver CACs desviando armas para grupos armados. O número de operações e prisões é certamente menor do que a quantidade de desvios, muito pela inaptidão demonstrada pelo Exército para monitorar os donos das armas. Ou seja, em suma, foi dado um passo rumo ao progresso. Mas é preciso cuidado para que os próximos passos não sejam em falso. 

A PF assumiu a fiscalização com um atraso de 6 meses, já que a mudança estava prevista para.1º de janeiro de 2025. Isso porque a Federal tem estrutura insuficiente de pessoal e orçamento para a tarefa.

orçamento necessário projetado era de R$ 62 milhões, mas o governo só conseguiu R$ 20 milhões. A PF pediu ao menos 3.000 agentes para exercer a atividade de controle, mas só recebeu 600. No Exército, onde, segundo o próprio TCU, a fiscalização tinha falhas graves, mais de 2 mil militares eram responsáveis pelo setor.

São 4,8 milhões de armas de fogo agora sob responsabilidade da PF, 963 mil pertencentes a CACs, recadastradas. A cultura de armas já se impôs no país, nos centros urbanos e nos interiores. Também se impôs em Brasília, no Congresso Nacional. O Instituto Fogo Cruzado mostrou em extenso levantamento que a defesa da expansão da posse de armas ganhou hegemonia no legislativo. Em 2023, 75 discursos foram favoráveis à população armada, e 24 contrários. O discurso do armamento para proteção individual e da família ganhou tração nos últimos anos.

O governo federal não pode mais negligenciar uma pauta que importa para a segurança da população — por conta dos desvios — e para o próprio futuro da democracia, já que aqueles que defendem a expansão do armamento civil nadam de braçada. A transferência da fiscalização dos CACs para a PF foi um passo importante. É preciso seguir esta cadência.

Um abraço,


Iris Rosa
Pesquisadora do Instituto Fogo Cruzado


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FOGO CRUZADO

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    Fazer do laranja uma laranjada

 

Olá, quem diria que o centrão e Trump dariam novo fôlego ao governo?

 

.Filhos da pátria. No meio de um ano difícil, a conjuntura abriu algumas oportunidades para o Planalto sair das cordas. Além do sucesso da narrativa de que o Congresso derrubou o IOF para proteger os super-ricos, a decisão de Donald Trump de taxar os produtos brasileiros para defender Jair Bolsonaro favorece mais Lula do que o ex-capitão. Os sinais já estavam dados desde o fim da reunião dos BRICS quando Trump elevou o tom de ameaças mesmo diante de uma  declaração final bastante diplomática da Cúpula. Além disso, Eduardo Bolsonaro passou a semana alardeando que agora sim, as sanções viriam. Mas quem esperava que elas viessem endereçadas para Alexandre de Moraes foi surpreendido com sanções para todo o país. A decisão tira de Bolsonaro o rótulo de patriota e entrega de bandeja para Lula, que gosta e faz bem o discurso da soberania. Como se não bastasse, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara vestiu a camiseta do viralatismo e aprovou uma moção de louvor a Trump, perdendo só para Netanyahu que indicou o presidente dos Estados Unidos ao Nobel da Paz. É claro que a jogada pode ter sido ensaiada para que Bolsonaro ressurja como o salvador da pátria, solicitando pessoalmente a Trump a redução das tarifas e sendo atendido. Apesar disso, o movimento deve ser inócuo para amenizar a situação do julgamento dos golpistas. E deve piorar a situação de Eduardo Bolsonaro nas investigações em curso no STF. Além disso, como Alexandre de Moraes também foi atacado pela empresa de Trump, o que devemos ter é um novo alinhamento entre Executivo e STF, justo no momento em que se temia que a Corte titubeasse no tema do IOF. Por fim, vai ser muito difícil que empresários e o agronegóciomesmo bolsonaristas, concordem com o movimento de Trump, como já demonstra o surpreendente editorial do Estadão defendendo o governo brasileiro. O estrago sobrou ainda para o trumpista Tarcísio de Freitas, que verá o estado que governa duramente atingido pelas tarifas impostas pelos Estados Unidos. A curto prazo, talvez Bolsonaro tenha tido a sinalização de que tem uma embaixada ou um asilo para recebê-lo se decidir fugir. A médio prazo, e mais perigoso, fica o indicativo de que Trump pode tentar interferir nas eleições do próximo ano. Mas, se a esquerda nas redes sociais mantiver a ofensiva, Lula tem a chance de entrar no segundo semestre retomando a narrativa e a popularidade.

 

.No canto do ringue. O centrão venceu por nocaute o primeiro round do IOF contra o governo, mas também apanhou bastante na rodada seguinte. Pode não ter ido à lona, mas as redes sociais conseguiram deixar a marca de um Congresso que protege os super-ricos. E não é que a luta de classes conseguiu fazer em uma semana o que os marqueteiros não conseguiram em três anos?! Interromper a curva de queda e levantar a popularidade de Lula. Neste ritmo, é bem provável que o tema da justiça fiscal possa ser um mote que se estenda até a campanha eleitoral do próximo ano e, mesmo que os índices de aprovação do governo não estejam disparando, Lula aparece agora com uma vantagem de dez pontos em relação a Tarcísio e Michelle Bolsonaro. Mas, antes de 2026, o governo ainda precisa vencer as batalhas de 2025. Mesmo ferido e magoado com os ataques da semana passada, nada indica que o Congresso vá recuar em relação ao IOF. Tampouco Fernando Haddad. Da parte de lá, vale fustigar, prometendo colocar a anistia em votação antes do recesso ou prometendo a relatoria da CPMI do INSS para Nikolas Ferreira. Do lado de cá, o Planalto lembra que as emendas de Comissão, distribuídas por Motta, não são impositivas e o Executivo libera se quiser. Além disso, deve deixar para Davi Alcolumbre o desgaste de sancionar o aumento do número de deputados. No meio do impasse, a solução pode estar vindo de um velho conhecido do Planalto e do centrão, Arthur Lira. O ex-todo poderoso da Câmara, responsável pelo projeto de isenção do Imposto de Renda, poderia incluir as compensações que Haddad precisa no seu projeto, desarmando ambos os lados.


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BRASIL DE FATO

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O uso da cannabis no debate de saúde pública

    Estudos têm provado a eficiência de canabinoides para o tratamento de doenças. Entretanto, o uso da planta vai muito além e seu acesso precisa ser ampliado no sistema de saúde público


De acordo com a OMS, 2% da população mundial apresenta quadros de epilepsia, considerada uma síndrome neurológica crônica. O tratamento da doença é complexo e pode envolver cirurgia ou fármacos capazes de diminuir a ocorrência das crises. Um dos compostos mais estudados para casos em que não há resposta positiva com outros anticonvulsivantes é o canabidiol (CBD), presente na maconha.

Um artigo, elaborado por Bruno Fernandes Santos, pesquisador da USP, avaliou os efeitos de redução de crises a partir de revisão sistemática da literatura. A pesquisa foi feita em bases de dados, como Google Scholar e Scielo, usando as palavras-chave Canabidiol, Epilepsy e Drug Resistant Epilepsy. Publicado na revista Acta Epileptologica, a pesquisa revela uma redução de 41% no número de convulsões com o uso do canabidiol.

Apesar das evidências científicas cada vez mais sólidas, o tratamento ainda não é amplamente disponibilizado na rede pública de saúde. Em artigo para o Outra Saúde, o médico e filósofo Paulo Fleury Teixeira, especialista em medicina canabinoide, explica que a Anvisa identifica cerca de 250 mil pacientes de canabinoides que são atendidos hoje no Brasil por vias autorizadas e regulamentadas. Contudo, a agência reconhece também que há outro tanto – provavelmente muito maior do que 250 mil – que é atendido por cultivo próprio, através de associações e produtores independentes. 

A boa notícia é que se tem discutido nacionalmente a facilitação e ampliação do acesso aos tratamentos e à pesquisa com produtos de cannabis no Brasil, reconhecimento que é fundamental para o avanço do conhecimento na área. Entretanto, o proibicionismo segue em vigor, e pouco se reflete sobre isso. Em entrevista ao Outra Saúde, o neurocirurgião Pedro Antonio Pierro Neto explica que, hoje, o uso de cannabis medicinal vai além do tratamento de doenças, servindo para fins terapêuticos e até para recuperação física. Para o médico, a liberação da maconha também poderia contribuir para a agricultura e para um uso mais sustentável do solo.

Mas o ponto mais importante, como anuncia Pierro Neto, é que “falar da liberação da maconha é tocar em um ponto nevrálgico da violência social e estatal que marca as relações sociais brasileiras”. É o preto, pobre e periférico que mais sofre com a criminalização da maconha e, uma vez que ela for regulamentada, parte da pressão de cima dessas pessoas pode acabar.

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OUTRAS PALAVRAS

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Olá,

Hoje é dia de clássico. Atlético Mineiro vs Cruzeiro. E eu, como uma boa atleticana, estou pronta para acompanhar o jogo. Mas, como jornalista, não deixo de prestar atenção nos detalhes. 

No final do ano passado, uma empresa de apostas virou a maior patrocinadora do meu time, substituindo nada mais nada menos que outra empresa de apostas. Se você não está familiarizado com o universo futebolístico, isso normalmente significa ganhar destaque na camisa e desembolsar milhões —  nesse caso, 180 — para contratar jogadores e pagar despesas. Depois das duas grandes derrotas que tivemos no ano passado, estávamos precisando de um investimento. O que eu não sabia é que isso significava que minha caixa de e-mails ficaria lotada de chamadas para apostar. 

Tomemos o dia 5 de março deste ano como exemplo, quando eu recebi um e-mail cujo assunto era “mais um jogo decisivo”. Como boa torcedora, jogos decisivos me interessam. Cliquei. No meio do e-mail, três botões em amarelo vibrante e letras garrafais me pediam para “apostar no Galão” e levavam para o site da empresa de apostas. Bem ao fim, pequenininho, uma observação: “jogue com responsabilidade”. Desde 13 de janeiro, quando o patrocínio foi anunciado, já recebi ao menos 24 mensagens desse tipo.

Os e-mails não são um gatilho para mim. Não sou viciada em jogos, nunca tive nem curiosidade de testar, e posso facilmente ignorar o botão que se repete semanalmente na caixa de mensagens. Mas esse não é o caso de quase 11 milhões de brasileiros, que apresentam sintomas de vício em apostas, um transtorno de saúde mental caracterizado por um comportamento compulsivo de apostar.

E não só os torcedores do Galo têm lidado com propagandas incessantes. Pelo contrário, todos os times da série A do Campeonato Brasileiro são patrocinados pelas bets. E se você não gosta de futebol, tudo bem, porque essas empresas têm diversificado a divulgação de seus serviços viciantes. Elas têm marcado presença no carnaval, como mostrou uma reportagem da Pública, e lotam os feeds de nossas redes sociais. Inclusive, as big techs, que você sabe que investigamos sem cessar, também estão interessadas nesse novo mercado milionário de publicidade. Vale aquela máxima, se tem gente ganhando muito dinheiro, tem gente perdendo.

Apesar da presença constante das bets no cotidiano dos brasileiros, percebemos que ainda não compreendemos todos os interesses por trás desse mercado bilionário e a influência que ele exerce. É por isso que lançamos uma campanha de financiamento coletivo que busca arrecadar 100 mil reais para investigar as bets. 

Eu participei ativamente da construção desta campanha. Desde então, temos nos reunido e estudado o tema. Para que eu possa abrir meus e-mails e torcer pro Galo sem receio de ser recrutada ao vício, todos nós precisamos entender melhor esse fenômeno, quais limites podem ser estabelecidos e o que querem essas empresas. E investigação de empresa é com a gente mesmo, como vocês bem sabem. 

Mas só vamos conseguir botar essa investigação de pé com o seu apoio. Faça parte do nosso time como camisa 10 do jornalismo independente.

Aposta na gente?
Sim! Quero virar o jogo com a Pública.
Um abraço,

Laura Scofield
Repórter da Agência Pública


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AGÊNCIA PÚBLICA

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Quantos ainda estariam aqui?
 

Olá,

O Supremo Tribunal Federal retoma na próxima quinta-feira o julgamento mais importante da sua história. Hipérboles como essa são perigosas, mas não se trata de um excesso. Estamos falando de um julgamento que pode salvar vidas de milhares de brasileiros. A vida é o critério que utilizei para mensurar a importância da sessão e que também guiará este texto. 

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como ADPF das Favelas, é um marco em termos de boas práticas em segurança pública no Brasil. Primeiro por uma razão simples: trata-se de uma política baseada em dados que aponta para o planejamento das políticas públicas implementadas pelo Estado. Mas também porque em trinta anos é a primeira vez que a população do Rio de Janeiro experimenta uma política em consonância com o artigo 144 da Constituição Federal, aquele que define segurança pública como “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, sob a égide dos valores da cidadania e dos direitos humanos”.

Tomo como referência temporal para este texto as duas chacinas ocorridas em Nova Brasília, Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio em 1994 e 1995. No intervalo de sete meses, a polícia realizou duas operações que terminaram com 26 pessoas mortas na favela sob a justificativa de repressão ao tráfico de drogas. Como em tantas outras operações que se sucederam a essas, abundam indícios de execução e violação de direitos. Em 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que houve atos de tortura, execução e estupro no caso e disse ser responsabilidade internacional do Brasil pela violação de direitos humanos de vítimas e seus familiares. Foi a primeira vez em que o país foi julgado e responsabilizado na Corte por casos de violência policial. Mas apesar disso, as recomendações da sentença não foram cumpridas. 

Nova Brasília inaugurou um modus operandi tornado corriqueiro no Rio de Janeiro, adotado por polícias de outros estados nos anos seguintes. Acostumamo-nos com as operações policiais com dezenas de mortos, com as crianças vítimas de balas perdidas a caminho da escola e com as cenas de trabalhadores atirados no chão do transporte público para fugir da linha de tiro. Não é preciso ser especialista para saber que em 30 anos essa política gerou resultados pífios. Não há registro de uma única localidade na qual o Estado retomou sua soberania por essa via. Não há facção criminosa ou grupo armado desarticulado com essas operações. Pelo contrário. Os grupos cresceram, se fortaleceram e ampliaram seu domínio. Não é preciso morar no Rio de Janeiro para saber que a situação da violência aqui não melhorou após décadas de operações policiais e tiroteios.

Ainda assim, contra todas as evidências, a bala continua sendo a ordem e o centro da política de segurança — não só no Rio. Esta é a primeira grande mudança capitaneada pelo STF: ao longo de todo o processo da ADPF convivemos com a abundância de dados que evidenciam as consequências da política vigente e o impacto que o planejamento e monitoramento das operações policiais pode causar.

A segunda grande mudança reside no fato de que o STF, de olho na Constituição Federal, mandou uma clara mensagem para a sociedade: a alta conta da segurança pública não será paga somente pelos mais pobres. O amplo domínio territorial de grupos armados e a violência armada é um problema de todos. No entanto, há uma profunda desigualdade na maneira como os diferentes grupos sociais lidam com as consequências dessas questões. A população que habita favelas e periferias paga com a própria vida pela ineficiência do Estado. São famílias que todos os dias convivem com o medo, os sons e os traumas do tiroteio — inclusive famílias de policiais. Cotidiano fácil de traduzir em números. Desde 2016, o Fogo Cruzado mapeou 706 crianças e adolescentes baleados no Grande Rio. 45% foram atingidos durante uma operação policial e 32% foram vítimas de bala perdida. 38% foram baleados na Baixada Fluminense ou na Zona Norte da capital, áreas mais pobres do Grande Rio. Somente 3% foram atingidos na Zona Sul, área que vai do Catete ao Leblon, na capital.

É por tudo isso que posso afirmar aos Ministros da Suprema Corte: estávamos esperando por essa decisão há 30 anos. Ela chegou, marcou uma mudança de rumo e agora cabe perguntar: essa mudança deu resultado?

Não importa qual dado ou indicador você escolha, o Rio de Janeiro está demasiadamente mais seguro depois da ADPF. Comparando os dados de 2019 e os de 2024, caíram: tiroteios 66%, vítimas de balas perdidas 40%, agentes de segurança baleados 51%, crianças e adolescentes baleados 43% e chacinas 42%.

Um estudo de pesquisadores de Harvard demonstrou que após as primeiras decisões tomadas no âmbito da ADPF o número de mortos pela polícia diminuiu em 66%, enquanto os homicídios gerais diminuíram em 19%. As restrições impostas às operações policiais salvaram mais de 100 vidas somente nos primeiros 30 dias segundo os pesquisadores. Eles ainda afirmam, com base em dados do Instituto de Segurança Pública, órgão do governo do estado, que não houve aumento da criminalidade e alguns índices chegaram a apresentar redução.

O impacto da ADPF 635 está documentado, produzido por muitas fontes e pode ser facilmente acessado. Do outro lado, não há nenhum estudo sério que sugira impactos negativos das medidas tomadas pelo STF. Os relatórios apresentados pela prefeitura do Rio de Janeiro e pelo governo do estado são peças publicitárias da letalidade policial com foco em garantir votos de uma parcela da população que apoia as políticas de linha dura em 2026. Não dá para serem levados a sério.

Diante disso, podemos nos perguntar: quantas pessoas ainda estariam aqui se a ADPF tivesse acontecido 5, 10, 15 anos antes? Não dá para prever o passado, mas os dados nos ajudam a projetar o futuro. Em 2019, 874 pessoas morreram em operações policiais no Grande Rio. Em 2024, foram 491, queda de 44%.

Na próxima quinta o STF tem uma dupla chance. A Corte pode fazer história consolidando a mais eficaz e extraordinária política de segurança pública dos últimos 30 anos. Pode também fazer justiça, tirando o peso da segurança pública das costas daqueles que mais precisam dela. É injusto que exatamente aqueles que convivem com o domínio territorial de grupos armados paguem com a vida por uma política ineficiente, marcada pela corrupção de agentes do Estado e pelo abuso do uso da força. 

Se você quer saber mais sobre a ADPF 635 pode ver esse vídeo em que trato das medidas tomadas pelo STF. Também quero te pedir para encaminhar esse texto para pessoas que precisam saber mais sobre o julgamento de quinta-feira.

Por fim, te convido a enviar uma mensagem para o presidente do STF, Ministro Luís Roberto Barroso, pedindo que a Corte considere os impactos da ADPF em seu julgamento. Se preferir, pode só reenviar esse e-mail com sua recomendação de leitura. O endereço do gabinete dele é: gabmlrb@stf.jus.br

Um abraço,

Cecilia Olliveira
Diretora executiva do Instituto Fogo Cruzad

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FOGO CRUZADO

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Como um dado vira pauta?

Olá,
Esta newsletter será diferente. Além de apresentar dados do Fogo Cruzado e analisar aspectos da violência armada, vou contar uma história pessoal.

Há alguns meses procurei o produtor de um programa jornalístico importante com dados exclusivos sobre a violência armada em uma capital do Nordeste. Ele não conseguiu emplacar a matéria e me contou o veredicto da chefia: “se ainda fosse no Rio de Janeiro ou se tivesse atingido o filho de alguém famoso, dava para considerar”. 

Esse caso não é único. Uma amiga que trabalha na sucursal do Rio de um grande portal me disse que seu editor indicou logo que chegou: “criança baleada não é pauta, ninguém lê mais sobre isso”. 

O jornalismo é cruel, mas é também sintoma do espírito do nosso tempo. A sociedade brasileira está apática diante da violência. Todo mundo sente medo e parece que não sobrou espaço para a indignação. Uma criança baleada não é pauta para o jornalismo, mas pelo que vejo também não é para gestores e políticos. Em média, duas crianças foram baleadas por mês no Rio de Janeiro em 2023 e 2024 — e não lembro de ter ouvido um pio do governador Cláudio Castro sobre isso. 

No entanto, nas últimas semanas a violência policial parece ter finalmente sacudido a consciência da sociedade — ou parte dela. Uma sucessão de casos em São Paulo — estado que registrou um aumento de 52% nas mortes por intervenção policial em 2024 — expôs a brutalidade cotidiana de nossas forças de segurança. Um dos eventos mais recentes é devastador: Ryan da Silva Andrade Santos, 4 anos, morreu com um tiro no abdômen enquanto brincava na frente de sua casa em Santos durante uma operação policial. A tragédia carrega uma crueldade adicional: há apenas dez meses, seu pai, Leonel Andrade Santos, também foi morto a tiros durante a Operação Verão na Baixada Santista — ação que deixou 56 mortos. Diante da morte do menino, a mesma polícia que matou seu pai limitou-se a dizer que “lamenta” o ocorrido.

A barbaridade policial em São Paulo mexeu com o jornalismo, com políticos, com todo mundo. Mas ela não é novidade. Pergunte aos moradores do Complexo da Maré, Zona Norte do Rio, que eles têm muito para contar. 

Em 2024 a Maré foi o bairro onde o Fogo Cruzado registrou mais tiroteios durante ações policiais, 48. Um aumento de 41% em relação ao mesmo período do ano passado, onde foram registrados 34 tiroteios em ações policiais. Por que tanta operação? Qual o objetivo delas? Elas alcançaram este objetivo? Acabou o tráfico? A família de Alessa Brasil, 30 anos, merecia essas respostas. Alessa era contadora e levava uma amiga para a Vila do João, na Maré, quando foi atingida por um tiro durante uma ação policial. Chegou a ser socorrida, mas não resistiu ao ferimento. E ela não foi a única. Quarenta pessoas foram baleadas no Complexo da Maré em 2024, 35 delas durante operações policiais.

As polícias são estaduais, mas a violência é nacional.

O Fogo Cruzado acaba de completar um ano no Pará e um indicador chama atenção. 41,3% dos tiroteios que registramos em Belém e região metropolitana envolveram forças policiais. É um índice impressionante, sobretudo se você considerar que produzimos dados no Rio e também na Bahia, estado que ostenta a polícia mais letal do país. O Pará supera a média de ambos.

No início de dezembro, enquanto os principais telejornais repercutiam os casos que se sucederam em São Paulo, Gabriel Santos Costa, 17 anos, e Haziel Martins Costa, 19 anos, foram rendidos por um policial em Salvador. O caso aconteceu em um bairro nobre, Ondina, a cerca de dois quilômetros do Palácio de Ondina, residência oficial do governador da Bahia, e foi filmado por uma pessoa que mora na região. O vídeo é impressionante: os jovens estão rendidos, deitados de bruços no chão com as mãos na nuca. O policial militar xinga, chuta ambos e depois efetua mais de doze tiros contra a dupla. Gabriel morreu na hora. Se o caso não tivesse sido filmado, será que o policial estaria preso? Qual versão deste crime chegaria para a população?

Como vimos em São Paulo e em Salvador, os registros em vídeo são importantes para os casos serem divulgados e os policiais afastados ou presos. Eles, no entanto, não são suficientes para barrar a impunidade. Dárik Sampaio da Silva, 13 anos, era atleta de futsal sub-14 do Sport, onde jogava desde os sete anos. Ele estava com duas amigas em frente ao portão da casa de uma delas, em 16 de março, quando a polícia entrou na rua, durante uma perseguição. Dárik foi baleado e morreu.

A cena foi registrada por câmeras de segurança. Contudo, oito meses após o caso, a Corregedoria da Secretaria de Defesa Social e a Polícia Civil de Pernambuco concluíram as investigações sobre a morte do adolescente e consideraram que não houve transgressão disciplinar por parte dos policiais envolvidos.

Os números e as histórias revelam uma tendência nacional preocupante: as forças policiais são protagonistas da violência armada. Seja no Rio de Janeiro, em Belém ou São Paulo, o padrão é claro: a política de segurança pública está baseada no confronto e ainda tem a letalidade como medida de sucesso. 

O contraste com outros países é chocante. Enquanto o Brasil registra cerca de 6.000 mortes por intervenção policial por ano, os Estados Unidos, com população 50% maior e elevado índice de violência armada, registram cerca de 1.200 mortes cometidas por agentes de segurança. Na Alemanha, foram 11 mortes em 2022 e 10 em 2023. No Reino Unido, foram registrados dois casos em 2022 e em 2023. Em Portugal, a média é de uma morte a cada dois anos.

São os mesmos países que costumamos admirar por sua economia e educação que nos mostram ser possível fazer diferente. Não é coincidência: não existe desenvolvimento real quando uma criança como Ryan morre brincando na porta de casa meses após perder o pai para a mesma violência, quando adolescentes são executados rendidos, quando a farda que deveria proteger se torna motivo de medo. A mudança passa pelo fortalecimento urgente do controle externo das polícias, pelo fim da política do confronto, e por uma transformação profunda na cultura policial. Porque cada Ryan, cada Gabriel, cada Dárik, cada Alessa que perdemos não é apenas uma estatística — é um futuro inteiro que deixa de existir.

Um abraço,

Cecília Olliveira
Diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado


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