MEIO AMBIENTE
A A | CNM: municípios enfrentam dificuldades para cumprir exigências da Política Nacional de Resíduos SólidosBianca MingoteO país precisa de apoio técnico e financeiro para o cumprimento das exigências legais previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei 12.305/2010, que prevê exigências como o fechamento dos lixões e o encerramento do seu uso como destinação final de resíduos. A realidade de muitos municípios, segundo avaliação da Confederação Nacional de Municípios (CNM), demonstra um déficit de apoio técnico e financeiro para o cumprimento das exigências legais. O país precisa de apoio técnico e financeiro para o cumprimento das exigências legais previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei 12.305/2010, que entre as principais exigências, prevê o fechamento dos lixões e o encerramento do seu uso como destinação final de resíduos. O diagnóstico é da Confederação Nacional de Municípios (CNM). Para a entidade, a realidade de muitos municípios demonstra um déficit dessas ações para alcançar as metas legais. Na avaliação da CNM, para possibilitar a alteração significativa do cenário no atendimento à legislação sobre lixões é fundamental que os municípios recebam repasses e apoio técnico do governo federal, com vistas a desenvolver ações estruturadas para cumprir os objetivos da PNRS. Em nota, a confederação ainda pontuou que há necessidade de empenhos para fortalecer a gestão municipal por meio de medidas estruturantes, tendo em vista o risco de surgir um novo local irregular de descarte de lixo, com ações individuais ou sem coordenação efetiva. “Ações individualizadas ou descoordenadas visando ao encerramento de um lixão podem ser pouco eficientes, podendo gerar efeito rebote, como o surgimento de um outro lixão em um breve intervalo de tempo”, diz um trecho da nota. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, destaca – na cartilha Encerramento de lixão e aterro controlado: orientações e alertas da Confederação – que é preciso existirem ações integradas para cumprir a lei de resíduos. “No caso dos lixões, é necessário que se crie um programa estratégico de encerramento de lixão de abrangência estadual, preferencialmente, requerendo o envolvimento e a participação conjunta dos representantes dos Municípios (inclusive de associações estaduais de Municípios) e dos governos estaduais, além do setor privado”, expõe. O estado de Sergipe passou a integrar, recentemente, a lista de entes brasileiros que alcançaram a exigência prevista na lei de fechar lixões e encerrar o uso desses locais como destinação final de lixo. Obrigações municipais da PNRSEntre as normas municipais estabelecidas pela PNRS, há um prazo para a implantação da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. A data estabelecida foi 31/12/2014. Porém, a Lei n°14.026 de julho de 2020 alterou a previsão e trouxe novos critérios para atingir a meta: • 31 de dezembro de 2020, para municípios que não possuam plano intermunicipal de resíduos sólidos ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, e mecanismos de cobrança que garantam sua sustentabilidade econômico-financeira; • 2 de agosto de 2021, para capitais de estados e municípios integrantes de Região Metropolitana (RM) ou de Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) de capitais; • 2 de agosto de 2022, para municípios com população superior a 100 mil habitantes, bem como para municípios cuja mancha urbana da sede municipal esteja localizada a menos de 20 (vinte) quilômetros da fronteira com países limítrofes; • 2 de agosto de 2023, para Municípios com população entre 50 mil e 100 mil habitantes; • 2 de agosto de 2024, para Municípios com população inferior a 50 mil habitantes. Com informações da CNM, Bianca Mingote. | A A |
BRASIL 61 |
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Como a crise hídrica sufoca o BrasilSecas severas no país acarretam enormes prejuízos no setor elétrico, saúde pública, navegação, abastecimento de água, e produção de alimentos. Mas o poder público está paralisado. Como fornecer capacidade técnica e financeira para as cidades e o campo enfrentá-las? 2023 foi o ano mais quente já registrado em 174 anos de coleta de dados da Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês). A temperatura média global da superfície ficou 1,45 °C acima dos níveis pré-industriais. Esse aquecimento leva a eventos climáticos extremos, como ondas de calor, inundações, tempestades e secas, mudanças que causam impactos na biodiversidade, com a perda de hábitats e espécies por causa das mudanças nos ecossistemas e da acidificação dos oceanos, o que pode alterar a cadeia alimentar marinha e afetar a pesca. Entretanto, dizer que a temperatura do planeta corre o risco de subir 2 °C pode não significar nada para as pessoas em geral. É preciso explicar o que isso representa, qual é o impacto na vida delas e, dessa forma, buscar engajar o conjunto da sociedade em ações e na cobrança de medidas por parte de governos. No Brasil, o impacto da seca severa pode ser sentido em diversos setores e afeta diretamente a vida das pessoas. Já é possível observar consequências no setor elétrico, na navegação, no abastecimento de água, na saúde pública e na produção de alimentos. No caso da energia elétrica, com menos água nos reservatórios, o sistema gasta mais na geração, o que leva a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a acionar a bandeira vermelha do sistema tarifário, onerando ainda mais o consumidor. Na navegação, a seca reduz os níveis dos rios, o que pode dificultar a passagem de embarcações, especialmente em áreas onde o transporte fluvial é crucial para a circulação de alimentos, remédios e pessoas. Na Amazônia, a seca está isolando algumas comunidades ribeirinhas. Com isso, algumas cidades sofrem com a escassez de alimentos e com a falta de outros suprimentos necessários para a sobrevivência, provocando um impacto econômico especialmente para os mais pobres. O aumento das temperaturas e da umidade pode afetar a saúde, causando problemas como desidratação e doenças respiratórias, e criando condições ideais para a proliferação dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, que são os principais transmissores da dengue. Isso resulta em aumento dos casos da doença em várias regiões do mundo. Além disso, podemos passar a conviver com a expansão de áreas em que proliferam os mosquitos Anopheles, que transmitem a malária. Já as secas prolongadas e as inundações podem prejudicar o desenvolvimento das plantas, dificultando o enchimento dos grãos e o crescimento dos frutos, e causando redução na produção agrícola e na qualidade dos alimentos. Algumas áreas que antes eram adequadas para certas culturas podem se tornar inviáveis em razão das mudanças climáticas, forçando os agricultores a mudar suas práticas de cultivo e a buscar novas áreas para o plantio. O aumento das temperaturas e a redução da disponibilidade de água e pastagens podem afetar negativamente a saúde e a produtividade dos animais, levando a uma menor produção de carne, leite e outros produtos de origem animal. A combinação desses fatores pode acarretar uma maior insegurança alimentar, afetando especialmente as populações vulneráveis que dependem da agricultura para sua subsistência. Um relatório da Comissão Global sobre a Economia da Água (GCEW, na sigla em inglês) mostra que mais da metade da produção mundial de alimentos pode ser comprometida até 2050 caso não sejam tomadas medidas urgentes contra a crise global de água. Segundo o relatório, cerca de 3 bilhões de pessoas vivem atualmente em áreas onde o armazenamento de água está em declínio. Certamente os mais afetados pela crise hídrica serão as populações mais pobres e em processo de vulnerabilização social e econômica; porém, o relatório adverte que nenhuma comunidade será poupada. Ainda com relação à água, em 2022 o relator especial da ONU sobre os Direitos Humanos à Água Potável e ao Esgotamento Sanitário, Pedro Arrojo Agudo, produziu três relatórios sobre mudanças climáticas e os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário. Em um deles, ele afirma que é “amplamente compreendido e reconhecido que as mudanças climáticas surgem como consequência da emissão massiva de gases de efeito estufa e, portanto, ninguém duvida que as estratégias de mitigação devem ser lideradas pela transição energética. No entanto, raramente se explica que os principais impactos socioeconômicos são gerados em torno da água. Portanto, as estratégias de adaptação devem ser baseadas em uma transição hidrológica que fortaleça a resiliência ambiental e social diante das mudanças climáticas. Por um lado, é urgente recuperar a saúde das zonas úmidas e dos aquíferos subterrâneos – verdadeiros pulmões naturais do ciclo da água – que podem e devem ser reservas estratégicas para secas cada vez mais severas”. Direitos humanos à água e ao esgotamento sanitárioO conteúdo normativo dos direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário engloba cinco pilares. Disponibilidade significa que o abastecimento de água para cada pessoa deve ser suficiente e contínuo para uso pessoal e doméstico. Esses usos normalmente incluem bebida, esgotamento sanitário, lavagem de roupas, preparação de alimentos e higiene pessoal e doméstica. Qualidade significa que a água necessária para cada uso pessoal ou doméstico deve ser segura e livre de contaminantes que ameacem a saúde. A água deve ter cor, odor e sabor aceitáveis para cada uso pessoal ou doméstico. Acessibilidade física significa que as instalações e os serviços de água devem ser acessíveis a todos, sem discriminação. A acessibilidade tem quatro dimensões sobrepostas: acessibilidade física, acessibilidade econômica, não discriminação e acessibilidade à informação. Acessibilidade econômica significa que o acesso a instalações e serviços de esgotamento sanitário, incluindo construção, operação (esvaziamento) e manutenção, deve estar disponível a um custo acessível para todas as pessoas, sem limitar sua capacidade de acessar outros direitos humanos. Aceitabilidade significa que os serviços de água e esgotamento sanitário devem ser culturalmente aceitáveis. Isso inclui que eles devem ser seguros e garantir privacidade e dignidade. As mudanças climáticas impactam o acesso à água de diversas formas. Com relação à disponibilidade, esta será ameaçada pelo aumento da escassez e pela competição por recursos; a qualidade será comprometida na medida em que há diminuição por causa da superexploração das águas subterrâneas e do aumento da concentração de poluentes. A acessibilidade dos serviços de água e esgotamento sanitário será ameaçada por danos generalizados e infraestrutura em razão das inundações e eventos extremos. A acessibilidade econômica dos serviços de água pode diminuir à medida que o aumento da disputa e concorrência entre os usos da água leva ao aumento dos custos. Sob crescente estresse, é provável que a aceitabilidade cultural dos serviços de água e esgotamento sanitário não seja priorizada e, em alguns casos, seja ignorada. Segundo Pedro Arrojo, prevê-se que os períodos de seca, durante os quais a precipitação é muito reduzida e as fontes de água se esgotam, se tornem mais longos e frequentes em certas regiões do mundo que já enfrentam condições gerais de seca e estações secas. Em 2024, o Brasil enfrentou a seca mais intensa e abrangente desde 1950, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Entre 2023 e 2024 foram mais de 5 milhões de quilômetros quadrados afetados, o que representa mais da metade do território nacional. Em 2024, 3.978 municípios estiveram em estado de seca com diferentes intensidades, desde fraca até extrema. Isso significa que mais de 70% dos municípios do país estavam em condição de seca, e, destes, 201 encontravam-se em situação de seca extrema. Ações do governo federalEm setembro, o governo federal anunciou várias ações para combater os impactos da seca e das queimadas por meio da edição de medidas provisórias que liberaram crédito extraordinário de R$ 514 milhões destinado a diversos órgãos. Assim, Ibama e ICMBio puderam adquirir materiais e equipamentos e contratar novos serviços especializados de combate ao fogo, como brigadistas, locação de viaturas e aeronaves; a Polícia Federal pôde custear despesas de equipe em diligências, investigação, análise de imagens de satélite e perícias que ajudam a identificar a origem dos incêndios; e o Fundo Nacional de Segurança Pública recebeu recursos para mobilizar 180 novos profissionais da Força Nacional durante cem dias para atuar no combate a incêndios. O governo ainda prorrogou as operações de crédito rural para agricultores afetados pela seca e criou uma Força Nacional de Emergência para lidar com questões relacionadas à estiagem. Na área de Assistência Social, o governo está fornecendo cestas básicas e alimentos para famílias afetadas pela emergência climática, especialmente na região Norte. Em que pesem essas importantes iniciativas, é preciso destacar que se trata de medidas emergenciais que não enfrentam de forma estrutural o problema da seca, e o tempo tem nos ensinado que “lutar contra a seca” com medidas emergenciais não resolve o desafio. A crise urbanaE nossas cidades? Estão preparadas para enfrentar os desafios impostos pela emergência climática? Pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), no primeiro semestre de 2024, revela que não. Dos 3.590 municípios que responderam à pesquisa, 810 (22,6%) afirmaram estar preparados para enfrentar o aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos, como secas, inundações ou outros desastres naturais, e 2.443 (68,1%) responderam que não. Além disso, 215 (6%) responderam desconhecer as previsões de eventos climáticos extremos que poderão afetar seu município e 122 (3,4%) não responderam a essa questão. Os municípios brasileiros precisam estar preparados, com capacidade técnica e financeira, para elaborar planos de contingência e mitigação para lidar com eventos extremos. É necessária uma grande cruzada que envolva o poder público municipal, os governos federal e estadual, entidades municipalistas, agências de fomento nacionais e internacionais, universidades, Ministério Público, Defensoria Pública e sociedade civil. No âmbito nacional, foram várias as iniciativas para o enfrentamento da emergência climática, como as já citadas; porém, além de “apagar incêndios” e construir grandes obras, é preciso combinar ações estruturais com ações estruturantes, como dar centralidade às políticas de combate aos desmatamentos e à invasão de terras indígenas por madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais – enfrentar a violência contra os povos das águas, dos campos e das florestas que continuam sendo mortos por lutar contra invasões de suas terras. É necessário também combater as desigualdades, garantindo ao conjunto da população acesso a políticas inclusivas de crescimento econômico e conhecimento científico e tecnológico; e fortalecer e valorizar os espaços de participação e controle social, eliminando a assimetria do conhecimento e envolvendo a população em todas as etapas de iniciativas propostas, sejam obras, demarcação de terras etc., desde a concepção de projetos, a elaboração, construção e implementação, de forma a respeitar as origens, as culturas e os laços familiares e de amizade das comunidades dos territórios envolvidos. Para enfrentar e possibilitar a convivência com as secas é necessário que os investimentos sejam planejados com foco na sustentabilidade ambiental e social, garantindo-se o acesso pleno à água em quantidade e qualidade adequadas. Para isso é fundamental, por exemplo, desengavetar o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR) para evitar a insegurança hídrica e promover a saúde das populações e, dessa forma, assegurar a segurança alimentar. É preciso reforçar e promover segurança, apoio e fortalecimento das comunidades rurais e quilombolas, estimular a agricultura familiar, incluir mulheres e jovens nos processos de desenvolvimento, aplicar tecnologias e metodologias adaptadas aos vários ecossistemas brasileiros, conservar e regenerar os recursos naturais e buscar meios de financiamento adequados. Nos últimos acordos internacionais, os países se comprometeram a agir de forma a limitar o aquecimento global, e os países ricos assumiram compromissos financeiros para ajudar os países em desenvolvimento. Porém, isso precisa ser colocado em prática de fato. Esses compromissos estão expressos no Acordo de Paris (2015), na COP26 (2021) e na COP29 (2024), mas não vêm sendo cumpridos. Em 2025, o Brasil sediará a COP30, em Belém. Será uma grande oportunidade de o país mostrar sua força e capacidade de avançar no enfrentamento da emergência climática e cobrar dos países ricos sua cota de contribuição e responsabilidade conforme os acordos anteriores. A existência da humanidade depende da vida do planeta Terra. Com certeza ele sobreviverá, mas, caso não haja mudanças radicais no modo de produção e consumo, a humanidade não resistirá. Como disse Ailton Krenak, “a Terra não pertence a nós; nós pertencemos à Terra”. | A A |
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A A | Clima: à espera da rebeldia necessáriaOs estudos e gráficos que sugerem a aproximação do colapso. Os sinais de que as condições de vida irão se deteriorar ainda mais. O fracasso das conferências, diante do poder das corporações. Sacudir o tabuleiro, saída indispensável. Mas como? O que segue é uma versão abreviada da conclusão de um livro sobre o agronegócio, esse inimigo público número 1 da sociedade brasileira, que pretendo publicar em 2025. À medida que se aproxima do fim de seu primeiro quinquênio, o presente decênio inicia as sociedades contemporâneas nas experiências traumáticas de um colapso socioambiental. Um colapso se desenha quando os impactos causados por desastres climáticos em série, perdas agrícolas, poluição generalizada, pandemias, desigualdades e violência golpeiam tão frequentemente as sociedades, que estas se tornam progressivamente incapazes de assegurar um mínimo de segurança física, alimentar, hídrica e sanitária às suas populações. Colapso não é um evento com data marcada para acontecer, é o processo em curso.i E dada a aceleração desse processo, pode-se predizer com segurança uma piora ainda maior nas condições de vida dos humanos e de inúmeras outras espécies nos seis anos que nos separam de 2030. Os tratados firmados em 1992 no Rio de Janeiro contra a desestabilização do clima, a perda da biodiversidade e a desertificação, assim como os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, definidos em 2015, chegaram a embalar os sonhos de muitos. Hoje sua credibilidade é zero. O medo do futuro toma de assalto as sociedades e esse sentimento tem sido bem explorado nas eleições dos últimos dez anos pelos que, nos mais diversos países, negam as evidências científicas, agitam bodes expiatórios e prometem um retorno salvífico ao passado. Ocorre que é impossível voltar ao passado e, de qualquer modo, também nele não faltavam advertências aos governantes e governados sobre o que o futuro lhes reservava, mantida a mesma trajetória. Desde os anos 1960, multiplicam-se os alertas sobre as consequências terríveis que os agrotóxicos e a destruição das florestas teriam para a vida no planeta. E desde meados dos anos 1970 forma-se o consenso cientifico segundo o qual o aquecimento registrado desde os anos 1930 não podia mais ser imputado apenas à variabilidade natural do sistema climático. Trabalhos e depoimentos fundamentais entre 1975 e 1988, ano da criação do IPCC, demonstravam esse consenso e projetavam um aquecimento brutal para o século XXI. Eis o texto do Primeiro Relatório de Avaliação do IPCC, publicado em 1990:ii
O “Cenário A” (continuidade de emissões crescentes de gases de efeito estufa – GEE) confirmou-se e a projeção do IPCC para esse cenário estava obviamente correta. A Figura 1 mostra que nos três decênios anteriores a 1990 (1961-1990), a taxa de aquecimento tinha sido de 0,14 oC por década. Figura 1 – Anomalias de temperatura na média anual global (terrestre e marítima combinadas) entre janeiro de 1961 e dezembro de 1990, com aquecimentos registrados em relação à média do período de base 1901-2000 e com uma taxa de aquecimento de 0,14 oC por década ![]() Fonte: NOAA, Climate at a Glance Global Time Series Entre 1995, data do segundo Relatório do IPCC, e 2023, a velocidade do aquecimento médio global aumentou mais de 50%, evoluindo à taxa de 0,22 oC por década, como mostra a Figura 2. Figura 2 – Anomalias de temperatura na média anual global (terrestre e marítima combinadas) entre janeiro de 1995 e dezembro de 2023, com aquecimentos registrados em relação à média do período de base 1901-2000 e com uma taxa de aquecimento de 0,22 oC por década ![]() Fonte: NOAA, Climate at a Glance Global Time Series Desde então, ao longo do segundo e terceiro decênios do século, todos os parâmetros quantificados pela ciência confirmam a aceleração do aquecimento prevista pelo IPCC. A Figura 3 mostra que o aquecimento médio global está ocorrendo nos últimos 13 anos à taxa vertiginosa de 0,33 oC por década. Figura 3 – Anomalias de temperatura na média anual global (terrestre e marítima combinadas) entre janeiro de 1995 e dezembro de 2023, com aquecimentos registrados em relação à média do período de base 1901-2000 e com uma taxa de aquecimento de 0,33 oC por década ![]() Fonte: NOAA, Climate at a Glance Global Time Series Isso significa que, mantida essa taxa, a temperatura média do planeta aumentará 1oC a cada três decênios!! É verdade que são necessárias observações de ao menos três decênios para se poder afirmar com certeza a emergência de uma nova tendência no comportamento do clima. Mas nada permite esperar doravante uma desaceleração do aquecimento, haja vista: (a) o aumento da queima de combustíveis fósseis; (b) o aumento dos incêndios florestais, do desmatamento e da degradação dos solos; (c) a liberação de carbono pelo derretimento do permafrost e, portanto, (d) um crescente desequilíbrio energético do planeta, hoje já colossal (>1 Watt por m2). A percepção de que as sociedades humanas estão confrontadas a um processo de colapso começou a se generalizar no segundo decênio do século. Em 2012, Denis Meadows, coautor de “Limites do Crescimento” (1972), declarava à imprensa: “Vejo o colapso já acontecendo”.iii E em 2013, um documento intitulado “Consenso Científico sobre a Manutenção dos Sistemas que Sustentam a Vida Humana no Século XXI”, assinado por 522 cientistas, afirmava:iv
Em 2024, por iniciativa de William Ripple, um grupo de renomados cientistas reafirma:v
O ano de 2023 foi o mais quente dos últimos 120 mil anos e 2024 superou o aquecimento constatado em 2023. Vivemos em 2024 o primeiro dos últimos 100 mil anos em que a temperatura média superficial do planeta foi 1,5 oC mais quente do que a do período pré-industrial (1850-1900). A menos de mudanças sociais radicais, a trajetória do século XXI prevista pelo IPCC em 1990 está agora traçada. A taxa de aquecimento planetário desde 1995 é de no mínimo 0,22 oC por década, implicando um aquecimento de 2oC até 2050. É impossível dizer o grau de dano que esse aquecimento causará à vida do planeta porque ele nunca ocorreu no Quaternário (os últimos 2,58 milhões de anos). Duas certezas, contudo, se impõem: (1) um aquecimento de 2oC é incompatível com sociedades organizadas e (2) esse aquecimento é apenas uma etapa em direção a aquecimentos ainda mais catastróficos na segunda metade do século, mantida a inércia atual das sociedades. Muitos outros colapsos socioambientais já aconteceram no passado. Mas este cujo início estamos presenciando e sofrendo é absolutamente singular em ao menos três sentidos. Em primeiro lugar, ele é um colapso multifatorial, envolvendo ao menos onze fatores agindo em sinergia: (1) desestabilização do sistema climático, com a ação crescente de alças de retroalimentação do aquecimento; (2) degelo terrestre, com elevação do nível do mar a taxas recentes próximas de 5 mm por ano, provocando destruição da infraestrutura urbana, salinização dos deltas e impactos imensos nos ecossistemas costeiros; (3) aceleração da sexta extinção em massa de espécies: (a) cerca de 40% das espécies avaliadas de plantas e fungos estão em risco de extinção, sendo 46% de espécies de plantas com flores. Além disso, “77% das espécies de plantas não descritas provavelmente estão ameaçadas de extinção, e quanto mais recentemente uma espécie foi descrita, maior a probabilidade de que esteja ameaçada”;vi (b) “mais de 500.000 espécies [terrestres], não têm habitat suficiente para a sobrevivência a longo prazo e estão condenadas à extinção, muitas delas em poucas décadas, a menos que seus habitats sejam restaurados”.vii (4) desequilíbrios imensos nos ciclos hidrológicos, com secas, incêndios, chuvas torrenciais, inundações, tempestades tropicais e ciclones tropicais e subtropicais cada vez mais destrutivos; (5) 15 milhões de km2 dos solos planetários já degradados, com expansão da degradação (em direção à desertificação) à taxa de 1 milhão de km2 por ano; (6) intoxicação sistêmica dos organismos pela poluição químico-industrial, sobretudo pelos agrotóxicos e, em geral, pelo sistema “alimentar” globalizado; (7) uma maior capacidade das corporações (estatais e privadas) de moldar os Estados nacionais à sua imagem e semelhança, redundando em bloqueio da governança global; (8) um aumento sem precedentes das desigualdades com correlativa regressão das democracias; (9) proliferação de guerras e conflitos armados dentro e fora das fronteiras nacionais, em grande parte em decorrência dos oito fatores acima evocados; (10) um aumento calamitoso de migrações forçadas, intra e intercontinentais, em decorrência dos nove fatores acima elencados, intensificando mais conflitos e mais xenofobia, e, enfim, (11) a emergência da tecnosfera dos algoritmos pelas Big Techs, terrivelmente vorazes de energia, com potencial para ameaçar a capacidade humana de se autogovernar. Em segundo lugar, o colapso atual se distingue dos anteriores por sua escala planetária, pois ele está acontecendo simultaneamente em praticamente todas as latitudes do planeta. O colapso atual não é nem local, nem seletivo. Ele está golpeando mais imediata e duramente os países pobres e os sempre mais numerosos pobres dos países ricos, mas ninguém está a salvo. Absolutamente ninguém. Há, enfim, um terceiro fator igualmente singular do colapso socioambiental em curso: as sociedades hegemônicas contemporâneas são as únicas em todo o arco da história humana que há décadas preveem seu próprio colapso, possuem ciência para conhecer suas causas, têm tecnologia suficiente para evitá-lo, detêm memória e reflexão histórica para aprender com os erros passados e mudar de trajetória, mas, ao menos até agora, preferem aceitá-lo passivamente como se seu destino já estivesse escrito. Fica, assim, a pergunta inevitável: é ainda possível reverter esse quadro? É possível a paz entre os homens e com a natureza? Outro mundo é ainda possível? Muitos de nós, criaturas tardias e resignadas do capitalismo globalizado, parecem ceder ao desespero ou ao culto do dinheiro e do individualismo. Mas os rebeldes, os que, não obstante tudo, reafirmam a visão e a possibilidade de outro mundo, não deram ainda sua última palavra. Já em 1968, René Dubos (1901-1982) escreveu em seu belo livro, Um animal tão humano (So human an animal):
Ressoava aqui a vitalidade desse ano admirável que foi 1968 e é claro que, hoje, as forças vivas da sociedade apenas resistem à ofensiva do negacionismo, do fascismo e do militarismo. Mas quando alguém como Mark Rutte, secretário-geral da OTAN, proclama que “é hora de mudar para uma mentalidade de guerra” (It is time to shift to a wartime mindset),viii impõe-se mais que nunca, a todos nós, denunciar a demência dos que veem a guerra como um caminho para a paz e afirmar a rebeldia civil contra essa matriz civilizacional belicista, genocida, ecocida e suicida. Superar essa matriz supõe recusar a arrogância e a estupidez dos que negam a agonia de nossa biosfera. Supõe também reconhecer os limites de nossa ciência e aprender com o saber e a resiliência dos “periféricos” urbanos, dos indígenas, quilombolas e dos trabalhadores de uma agricultura local e saudável. Cabe-nos, em suma, participar de uma grande aliança com os que recusam o abismo, para derrotar na arena política o agronegócio brasileiro e global. Como reafirma a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), na reunião do G20 em novembro de 2024: “A Resposta Somos Nós”. Sim, os que não perderam a conexão com a Terra são a resposta à indagação de Rachel Carson, feita há mais de 60 anos: “A questão é se alguma civilização pode travar uma guerra implacável contra a vida sem se destruir e sem perder o direito de se chamar civilizada”. | A A |
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